Oslo | Kabul
Excepcionalmente, uma edição em que numa das latitude temos notícias auspiciosas; noutra, um imbróglio que só confirma toda a gestão danosa em Kabul, por parte dos EUA - a saída rápida está demorada.
Edição #19
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Pergunta da semana:
O que fazem os Talibãs quando têm tempo livre?
Resposta no final da edição.
Latitude 59.9138 - Oslo
Começamos com Oslo, uma latitude por estrear:
O Partido Trabalhista foi o mais votado [sic] nas eleições legislativas de segunda-feira na Noruega e vai iniciar imediatamente negociações com os partidos de esquerda para formar um novo governo.
Um governo à esquerda é sempre uma notícia boa, coisa parca nesta newsletter; por isso, incluí o tema na edição desta semana. Por outro lado, o líder do Arbeiderpartiet é um homem branco, pelo que há que moderar o entusiasmo.
Os Conservadores, Høyre, governavam aquele país nórdico desde 2013 e a primeira-ministra foi afastada pelo povo norueguês depois de 8 anos no poder (credo!).
O SV, talvez equivalente ao Bloco de Esquerda, foi um dos poucos partidos que aumentaram deputados; mas o destaque vai mesmo para o Rødt, Rede Party ou Partido Vermelho (PC norueguês), que subiu de 1 para 8 deputados.
Com estes resultados, há uma espécie de geringonça à vista, como explica o Público, sendo que o Partido do Centro, cujo nome diz coisa nenhuma, parece ser meio esquizofrénico.
Com 48 deputados eleitos, os trabalhistas, de Jonas Gahr Stoere, vão tentar formar uma coligação com o Partido do Centro (28 deputados) e com o Partido da Esquerda Socialista (13 deputados). Dessa forma, alcançariam os 89 deputados – a maioria mínima no Parlamento, de 169 lugares, é de 85.
Estas eleições foram importantes também (sobretudo) pela questão climática, tema cuja urgência para criar medidas eficazes vigora desde o milénio passado mas que por questões de perda de poder/conforto (e falta de vontade) só agora está seriamente na agenda.
Norway is a key political test ahead of major climate talks set to start Oct. 31 in Glasgow because it will signal voters’ appetite for real change. Norwegians love their Teslas but they can afford them because the small Scandinavian country got rich on oil and built a $1.4-trillion sovereign wealth fund. The economy hasn’t diversified enough to meet the sacrifices needed on climate.
Eleições na escola
Só quando lia sobre este tema pude aperceber-me que é prática corrente haver eleições não oficiais, nas escolas secundárias, como forma de apurar as inclinações políticas dos mais jovens. Interessante:
Empirically tested through the case of mock elections at schools in Norway shortly before the 2013 parliamentary election, the multivariate logistic regression analyses of the data show a strong connection between voting in mock elections at school and students’ willingness to vote, even after controlling for background factors.
E o que esse excerto indica verificou-se esta semana, com a intenção de voto dos mais novos a corresponder com os resultados das legislativas:
The school election results are taken seriously by all involved in Norway, and often reflect actual Election Day results. Tuesday’s election also reflected months of public opinion polls indicating that the left-center side will win government power away from Prime Minister Erna Solberg and her Conservatives-led coalition.
Partido do Progresso, o Chega! norueguês
Antes de avançar, uma ressalva por eventual paradoxo: Se calhar a comparação é demasiado lisonjeira para o partido de André Ventura. Depois das reportagens da SIC, temos hoje por certo que o Chega! é mais uma associação de intolerantes, egoístas e malta com sede de poder duradouro e fama instantânea do que um partido político. Eles bem queriam ser o Vox (espanhol) português mas nem competência para isso têm - e ainda bem.
Quanto ao Fremskrittspartiet aka Partido do Progresso:
Fremskrittspartiet formed, in 2013, part of a Norwegian government for the first time. The party is the furthest to the right out of all of Norway’s mainstream parties. The Progress Party left the government in 2020 in protest over the return of Isis brides to Norway but is still the third biggest party in the Norwegian parliament with 26 representatives.
Agora a parte triste, que já está mencionada no gráfico acima: o Fremskrittspartiet era a terceira força política na Noruega… Agora, com menos 6 deputados, passaram a quarta, o que não deixa de ser um grande sinal de intolerância e descontentamento por parte do povo.
Latitude 34.5553 - Kabul
Agora, uma história intrincada, cuja resolução se soube esta sexta-feira. O texto que se segue foi escrito durante a semana, por isso é normal a informação ser parcial e as questões serem muitas: acaba por ser um bom retrato de como a informação é fundamental para podermos reflectir e agir.
As Forças Armadas norte-americanas terão matado, no final de agosto, os seguintes civis:
Mr. Ahmadi and three of his children, Zamir, 20, Faisal, 16, and Farzad, 10;
Mr. Ahmadi’s cousin Naser, 30; three of Romal’s children, Arwin, 7, Benyamin, 6, and Hayat, 2; and two 3-year-old girls, Malika and Somaya.
Mas só agora se descobriu tratar-se de um erro, apesar de as notícias, na altura, terem reportado o contrário:
American forces launched a drone strike in Kabul on Sunday that killed a suicide car bomber suspected of preparing to attack the airport, U.S. officials said, as the United States nears the end of its military presence in the Afghan capital.
De resto, a cobertura jornalística desta história tem muito que se lhe diga, além do espectro esquerda-direita, parece que ninguém sabe ao certo o que aconteceu:
É interessante ver nesses títulos - e uma vez que a fonte acaba por ser uma investigação do NYT - que a diferença não é tanto a nível de valores que diferenciam esquerda-direita mas sim no tom.
Contudo, não são apenas os jornais que andam aos papeis, uma vez que nem o próprio Pentágono conseguiu confirmar factos:
O que se sabe agora é que o número de mortos que apresentei acima corresponde à realidade, apesar de no primeiro comunicado oficial poder ler-se: “We are assessing the possibilities of civilian casualties, though we have no indications at this time. We remain vigilant for potential future threats.”
O ataque aéreo norte-americano visava Zemari Ahmadi, que estaria a preparar-se para um ataque suicida no aeroporto de Kabul. Entretanto, têm surgido informações de que Ahmadi trabalhava numa ONG e estaria a distribuir… água em vez de bombas.
Através da newsletter Tangle, pode perceber-se melhor a história:
Rather than visiting ISIS-K safehouses in Kabul, Ahmadi was actually giving his colleagues rides to work. Rather than loading explosives into his vehicle, Ahmadi was actually loading canisters of water into his trunk for his neighbors and family. And rather than being an ISIS-K militant, Ahmadi had been working since 2006 as an electrical engineer for Nutrition and Education International (NEI), a California-based aid group. At 8:45 am that morning, Ahmadi’s boss had called him and told him to pick up his laptop from work, so Ahmadi left in his 1996 Toyota Corolla, which belonged to NEI, and which would be incinerated in front of his home a few hours later by a U.S. military drone.
Mas há também quem esteja desconfiado do trabalho jornalístico do NYT, como é o caso de Jeff Maurer:
My not-minor quibble with the Times article is that they strongly imply several times that the military mistook Ahmadi and his co-workers loading water jugs into the car for Ahmadi and his co-workers loading explosives into the car. Here’s an unambiguous sentence:
“…an analysis of video feeds showed that what the military may have seen was Mr. Ahmadi and a colleague loading canisters of water into his trunk to bring home to his family.”
But the Times’ own reporting makes it pretty clear that this isn’t what happened. The timeline they provide all but precludes the possibility of a water-for-explosives mix-up.
O “mix-up” a que se refere é o facto de oficiais norte-americanos terem declarado que estariam a ser preparadas e embrulhadas umas embalagens (packages) depois das 15h38, hora a que os jarros (jars) com água já estariam cheios.
Até sexta-feira, esta parte acaba assim:
A única coisa que se pode concluir:
O bom jornalismo demora tempo e faz muita falta para escrutinar e exigir melhores práticas por parte das instituições - sem jornalismo não há democracia, mesmo.
Entretanto, as Forças Armadas norte-americanas lá confirmaram que se tratava mesmo de inocentes, corroborando a tese apresentada pelo NYT:
A top U.S. general officially admitted on Friday that the August 29 strike initially called “successful” and thought to have neutralized an ISIS-K terrorist actually killed 10 innocent civilians, 7 of which were children.
Outras histórias
Com o tema da importância do jornalismo em mente, vale a pena ler o artigo Why Putin Is Obsessed With ‘Foreign Agents’.
Ultimately, Putin’s recent demonstration of power sheds light on the regime’s long-term vulnerabilities. By targeting smaller media outlets as well as more prominent ones, the Kremlin hopes to avoid Belarus-style mass protests. But by closing off a necessary safety valve—even as social, economic, and political pressures continue to build—Putin’s strategy could backfire.
Ao ouvir as declarações de Carlos Silva, chamado pela defesa de Salgado, também fiz a mesma pergunta. O Pedro Tadeu dá umas pistas em Porque é que Carlos Silva ainda gosta de Ricardo Salgado?
Do ponto de vista de carácter pessoal, repito, está aqui uma pessoa que se recomenda. Do ponto de vista de alguém que é líder de uma central sindical, do ponto de vista, portanto, do carácter institucional que hoje em dia Carlos Silva incorpora na sua individualidade, tal elogio é incompreensível.
Uma lista espectacular: 40 One-Sentence Email Tips:
26. When you buy a product and give a store your email address, you’re paying them to interrupt you over and over again.
34. If you can write one great email, you can get whatever you want.
39. Every email should tell the recipient what you want them to do after they read it.
Oh diabo… A New Company With a Wild Mission: Bring Back the Woolly Mammoth:
A team of scientists and entrepreneurs announced on Monday that they have started a new company to genetically resurrect the woolly mammoth. The company, named Colossal, aims to place thousands of these magnificent beasts back on the Siberian tundra, thousands of years after they went extinct.
The company, which has received $15 million in initial funding, will support research in Dr. Church’s lab and carry out experiments in labs of their own in Boston and Dallas.
Interessante trabalho multimédia do jornal Público: Fica para o Próximo (Presidente de Câmara) - Sete Temas para Oito Líderes.
Escolhemos sete temas que vão marcar os mandatos dos 308 presidentes de câmara a eleger dia 26 de Setembro. Sobre eles, questionámos os líderes dos oito partidos parlamentares, o presidente do CDS não teve disponibilidade para responder.
A ideia é muito boa, mas não sei se ter os líderes a falar, em vez de outras pessoas dentro partido, como responsáveis para as autárquicas, não seria mais benéfico: Aparecerem sempre os mesmos - e então no caso de António Costa, que acumula com PM, acaba por contribuir para a noção de que os partidos são reféns dos seus líderes, quando isso não é verdade.
A fotografia do líder do CDS desvanecida é só mais um tiro no pé na sua imagem e capacidade de comunicação. O Público esteve muito bem em alocar o espaço devido a Francisco Rodrigues dos Santos:
Não é novidade jornais usarem fotografias antigas, que têm em banco, para ilustrar histórias de actualidade; contudo, há que lembrar que muita da imagética passada pode constituir, agora, notícia. A escolha para imagem do artigo, “em direto”, da campanha das autárquicas, por parte do jornal Expresso, e neste caso para acompanhar António Costa, foi a seguinte:
Então, e máscaras? Distância social? Este António Costa pá! Ah, espera, isto é pré-pandemia..
Para fechar, a resposta à pergunta da semana: