Paris | Texas
Para não estragar o título, ficaram apenas estas duas latitudes, mas no final há uma surpreendente pergunta da semana (e várias recomendações de leitura pelo meio).
Sábado, 5 de junho - Edição #4
Sendo um dos 50 Estados norte-americanos, Texas não tem latitude de cidade. Por isso, não faria sentido colocar esta região no título da edição desta semana, uma vez que desrespeita as rígidas regras que coloco neste projecto! Contudo, tenho duas razões para o fazer:
1º Paris, Texas é um excelente e duro filme de Wim Wenders, de que gosto muito e a que não resisti copiar o título. Para quem não tenha visto, fica a sugestão. Já agora, existe mesmo Paris no Texas (tem Torre Eiffel, claro), em oposição a Paris de França.
2º Esta história em solo norte-americano tem epicentro repartido: Austin e Houston; no primeiro está o Capitólio, onde Senado e Casa dos Representantes se encontram; no segundo há braços legislativos daquele Estado. Desta forma, faz sentido ter Texas no título e julgo que a CELO - Comissão Editorial da Latitude Ocasional não me instaurará um processo; em caso contrário, espero que me suceda o mesmo que a Rui Rio: nada.
Latitude - Paris
Dá que pensar o que aconteceu com Naomi Osaka no Roland Garros. A atleta de 23 anos abandonou a competição, no início da semana, por não se sentir capaz de estar em contacto com os media.
A história em três actos:
Osaka anunciou, a 26 de maio, que não iria participar nas conferências de imprensa, alegando o seguinte: “Não me vou sujeitar a pessoas que duvidam de mim. Já vi muitas vezes atletas irem-se abaixo, após uma conferência de imprensa a seguir a uma derrota.”
Ao não comparecer, após o primeiro jogo, foi multada em 12.000€ e surgiu a ameaça de desqualificação da prova.
Naomi Osaka comunicou no Instagram que decidiu abandonar o Roland Garros.
No desporto, e tendo em conta as excepções, a relação com a imprensa é frequente, próxima e faz parte das obrigações; mas as obrigações estabelecem-se e alguém as define. Osaka até poderia ter desistido numa fase mais adiantada, dado o estado depressivo em que confessou encontrar-se:
“The truth is that I have suffered long bouts of depression since the US Open in 2018 and I have had a really hard time coping with that.”
Porém, a tenista, que vencera o primeiro encontro, desistiu de praticar desporto, e de competir, por causa de obrigações mediáticas.
Tal pede reflexão: quem faz desporto de alta competição (ou outro), não decide desistir de ânimo leve - muito menos daquela que será uma das provas mais importantes da modalidade. Osaka usou o megafone das redes sociais para alertar sobre a saúde mental, mas os responsáveis do Roland Garros preferiram ouvir o silêncio que rodeava o microfone desamparado.
Quando o presidente da Federação Francesa de Ténis decidiu falar, não foram as palavras mais sinceras as que se ouviram:
“We remain very committed to all athletes’ well-being and to continually improving every aspect of players’ experience in our tournament, including with the media, like we have always strived to do”
Sem grande lugar de fala, por não sabermos o que sente Osaka, podemos discutir várias coisas: em que medida a imprensa pressiona os atletas; que a aptidão dos desportistas para a competição se estende também à psicológica; que há pouco espaço para os atletas fugirem ao discurso-tipo e que há ainda menos para falar sobre saúde mental.
Argumentos de que o desporto é mesmo assim ou que os atletas têm de se aguentar não são válidos - tudo é passível de melhorias. O que não significa, e antevendo já tiradas frequentes, que agora todos vão boicotar a imprensa ou que assim deixa de haver jornalismo desportivo.
Este não é, por exemplo, um caso semelhante ao de Sérgio Conceição: quando ainda faltavam algumas jornadas, o patético treinador do Porto decidiu boicotar todas as conferências, depois de decisões de arbitragem com as quais não concordara. Há uma diferença gigantesca entre ter mau perder e sofrer de problemas de saúde mental.
Voltando ao ténis, inteirei-me da história The Battle of Sexes há pouco tempo, através de filme homónimo; a película conta aquele que talvez tenha sido um dos episódios mais tristes e, ao mesmo tempo, mais felizes, nas últimas décadas, no desporto.
Recomendo o visionamento do filme e, por isso, não vou aprofundar muito a história. Queria sublinhar, de um lado, o facto de haver um porco chauvinista orgulhoso disso mesmo: o autoproclamado, Bobby Rigs, não concebia que uma mulher pudesse ser melhor do que ele no ténis (e sabe-se lá em que mais) e montou um circo em torno de um jogo de exibição contra a campeã Billie Jean King.
Mais mais do que o autodenominado suíno, interessa ver como a maior motivação de King - expulsa da United States Lawn Tennis Association por reclamar igualdade salarial - era provar que o presidente da USLTA, que personifica(va) a mentalidade dominante, estava errado: You are a gentleman, but you don’t really like us: you like us in the kitchen, in the bedroom…
Voltando a Naomi Osaka, esta não é a primeira vez que a tenista marca uma posição:
Last summer, tennis officials suspended play at the Western & Southern Open after the four-time Grand Slam tournament winner announced she would not play her semifinal match to draw attention to the issue of police violence against Black people following the shooting of Jacob Blake in Kenosha, Wis.
Curiosamente, há poucos dias, em conversa, desabafei sentir que os atletas não aproveitam as plataformas de visibilidade que têm ao dispor. Estava a ser injusto. Não muito, mas estava a ser injusto com Lewis Hamilton, com Renee Montgomer, craque da WNBA que abandonou a competição porque sentiu que tinha de se dedicar a tempo inteiro às causas que defend, entre muitos outros.
Gostava de ter linkado aqui um jogador de futebol em Portugal, desporto visto por milhões. E antes de que me acusem de estar a construir a casa pelo telhado, não falo apenas de racismo (esporadicamente lá há uma campanha), ou de apelo ao voto, como são os casos acima. Falo de uma mudança para romper com o secretismo e inacessibilidade ao desporto-rei - uma alteração de um discurso tão mimético que se tornou piada: temos de levantar a cabeça; há que seguir em frente; demos o nosso melhor; blá blá 🤮
A boa notícia é que começa a haver algumas excepções: treinos abertos; os momentos de imprensa de Rúben Amorim e Carlos Carvalhal; programas com os protagonistas… E até podemos desabafar: mas eles não dizem nada de jeito!… Pois, mas eles também não estão muito habituados a falar de forma natural e despreocupada. Neste caso, a forma condiciona o conteúdo e, se calhar, temos de nos livrar da primeira para melhorar a segunda.
Constrangimentos que vêm de dentro mas não só: o poder da televisão é enorme. O tema não é novo e não me alongarei muito: continua a ser urgente substituir a gritaria pela análise; os lances dos árbitros pelos toques dos jogadores. Não tenho nada contra programas em que cada um defende um clube, desde que com bom-senso e qualidade argumentativa. Já agora, de pouco vale mudar nomes de programas se os protagonistas são os mesmos, e se o estilo se mantem.
Por último, há bons programas no ar, mais restritos no acesso, mas que merecem ser mencionados; é o caso do segmento Tiki Tática, na Eleven Sports.
Latitudes 29.7604 - Houston | 30.2671 - Austin
Na edição passada dei como sugestão de leitura o trabalho continuado da newsletter Popular Information. Esta semana, pego no tema, que entretanto teve uma reviravolta esperançosa, para comunicar a mesma história na minha.
O que se tem passado no Texas é difícil de conceber: produzir legislação para que seja mais difícil votar.
Algumas medidas da Senate Bill 7 são:
Encurtar as opções de voto local;
Proibir voto por drive-thru;
Restringir o voto por correspondência;
Diminuir o horário matutino de votação:
Trata-se, portanto, de medidas com claras intenções de atingir um perfil de votantes, uma vez que os Republicanos perderam Estados-chave na última eleição presidencial devido ao voto da comunidade afro-americana no Partido Democrata.
Tudo num Estado onde já é bastante difícil votar:
Texas already has the most restrictive voting laws in the country. But with the state trending blue, Governor Greg Abbott (R) and Republicans in the Texas legislature are pushing a series of draconian bills that would make it even harder for Texans to cast a ballot.
Texas Republicans claim the legislation is necessary to crack down on fraud. […] There is no evidence that fraud is a real problem.
Mas não se pode acusar os Republicanos de falta de vontade e/ou iniciativa laboral:
Texas Attorney General Ken Paxton (R) devoted 22,000 staff hours to identifying voter fraud during the 2020 election and came up with 16 people who put an incorrect address on their voter registration forms.
A lavoura dos Republicanos na produção da S.B. 7 foi de tal ordem que até se estendeu ao fim-de-semana; no final, o documento tinha o dobro do tamanho… mas porquê, mesmo?
Over Democrats’ objections, they suspended the chamber’s own rules to narrow the window lawmakers had to review the new massive piece of legislation before giving it final approval ahead of Monday’s end to the legislative session
But instead of giving senators the 24 hours required under the chamber’s rules to go over the committee’s report, including those new additions, state Sen. Bryan Hughes, R-Mineola, moved to ignore that mandate so the Senate could debate and eventually vote on the final version of the bill just hours after it was filed.
Reviravolta
Ora, na brilhante mente colectiva dos Republicanos estaria a ideia de que, com pouco tempo para rever, os Democratas, por estarem em minoria, teriam de se resignar em aprovar a lei.
O que aconteceu a seguir o Expresso resume melhor do que eu:
Para impedir que os legisladores republicanos no Texas aprovassem uma nova lei eleitoral, os legisladores democratas adotaram nesta segunda-feira uma última tática de recurso: abandonaram a sala, impedindo que houvesse quorum e inviabilizando a passagem da lei antes do prazo, que terminava à meia-noite. Assim conseguiram o resultado pretendido.
Mas…
…a vitória deverá ser temporária, pois o governador republicano Greg Abbott já anunciou uma nova sessão especial da legislatura para aprovar a lei, e prometeu fazer suspender o ordenado aos legisladores que recusaram cumprir a obrigação de legislar.
O artigo de onde retirei o excerto acima faz também a importante ligação com o panorama nacional norte-americano.
E o que, a meu ver, interessa muito reter é estas tácticas de mau perdedor e mau carácter que o Partido Republicano está disposto a executar. Jogos sujos numa altura em que pensaríamos que, com a saída de Trump da Sala Oval, as coisas estariam a melhorar.
Há vários indícios que confirmam um comportamento colectivo que não atinge os mínimos para estar na vida pública: o esquema para restringir o acesso ao voto a eleitores afro-americanos também aconteceu na Georgia.
Recomendo ainda a leitura de um outro artigo, que analisa, a nível nacional, a crispação que ainda perdura: American Democracy Isn’t Dead Yet, but It’s Getting There
Outras leituras interessantes:
Bactérias que servem para remoção de sujidade/restauração de arte: Send in the Bugs. The Michelangelos Need Cleaning.
Marbella, bem aqui perto, é o centro do crime organizado, como sugere esta leitura longa do Guardian: ‘A united nations of crime’: how Marbella became a magnet for gangsters.
O caminho da consciência colonialista não é para ser percorrido apenas em Portugal. Em França, também há passos grandes a serem dados: He Is Senegalese and French, With Nothing to Reconcile.
Pelo ex-ministro da Cultura, Proteger os protegidos.
E ainda a rubrica Portugal, país ao calhas: ter pessoas como João Miguel Tavares ou José Gomes Ferreira, entre outras, a assinar ou falar, protegidas pelo epíteto de jornalista é preocupante. JGF, que já havia lançado “O Meu Programa de Governo” (lol), escreveu um livro cheio de estórias sobre a História de Portugal. Vale a pena ler o que escreveu Rui Tavares e ouvir o que disseram no podcast Falando de História.
Para fechar, eis a pergunta da semana:
O que têm em comum as pessoas abaixo, na secção de opinião da homepage do DN, por volta das 14h da passada terça-feira?
…e na do Público?
…e na do Expresso?
Oh Odete! Sinceramente!
Nota: Juro que foi completamente aleatório e não editei nenhuma captura de ecrã 🙃