Praga | Taipé
Uma boa notícia no início, uma triste realidade a meio e muitas histórias no final.
Edição #23
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Latitude - Praga
Porque uma boa notícia tem sempre destaque principal nesta newsletter, começamos com o novo governo checo, que, apesar de surgir de uma coligação centro-direita (prefiro lasanha), tem a minha admiração por ter feito o que deve fazer-se no que toca a iliberalismos: derrotá-los.
Chegou ao fim a experiência populista checa liderada por Babis, um multimilionário que ascendeu ao poder em 2017 com a promessa de “limpar” o país da corrupção, mas não resistiu aos efeitos adversos causados pela pandemia da covid-19 e à exposição negativa dada pelas revelações dos Pandora Papers.
A derrota de Andrej Babis só se soube no final de sábado passado (as eleições decorreram a 8 e 9 de outubro), quando a edição #22 já havia sido enviada para os 40921 subscritores de Latitude Ocasional.
O novo governo checo está por confirmar, uma vez que o presidente da República Checa, amigo de Babis, foi hospitalizado no domingo passado, certamente por dificuldade em digerir os resultados.
Enquanto não recupera, aproveito para reforçar duas ideias: 1) recomendam-se as coligações (e coligações de coligações) para derrotar governos autoritários; 2) mais vale um governo de direita do que um populista iliberal de esquerda.
Mas há uma nuance que importa sublinhar: como escreveu Rui Tavares, numa edição da outra semana de um jornal estrangeiro dizia-se “que Andrej Babis, primeiro-ministro checo, continuava a ser o favorito nas eleições do seu país, apesar de ter sido revelado nos Pandora Papers que ele tinha comprado às escondidas uma mansão de mais de dez milhões de euros, através de um paraíso fiscal.”
Assim, terá sido mesmo necessário um caso de fraude “evidente” para que menos eleitores votassem em Babis, apesar de todos os seus defeitos de governação (e personalidade, também conta em política): Os dois resultados mais altos foram os das coligações Juntos, com 27,69%, e ANO (de Babis), com 27,23% - ou seja, apenas 47 pontos percentuais de diferença! (!!!)
A coligação vencedora, Juntos, incorpora os partidos Civic Democratic Party (ODS), KDU-ČSL, e TOP 09.
Babis governava em coligação com o PC checo e o PSD, sigla que,tradicionalmente designa partidos de centro-esquerda, apesar de o mesmo não se verificar em Portugal - abordei essa questão numa outra edição desta newsletter.
Um dos choques da noite eleitoral foi a pesada derrota do Partido Social Democrata, de centro-esquerda, que não conseguiu sequer superar o patamar mínimo de 5% para obter representação parlamentar, e foi punido eleitoralmente pelo apoio dado ao Governo de Babis.
Agora resta o passo seguinte: o escrutínio do povo à governação de Juntos, coligação que, apontam os jornais, terá de contar ainda com o apoio do Partido Pirata e o Span para governar.
Latitude - Taipé
Tem sido noticiado a escalada de agressividade de Pequim em relação a Taiwan. Em curtas linhas, podemos ler através da newsletter Tangle o seguinte:
In the last two weeks, China has conducted several consecutive days of military exercises over Taiwan, sending a record number of fighter jets into Taiwan's airspace. This included a four-day period when it flew 150 military planes through the airspace, which left the Taiwanese air force scrambling to respond.
Porquê?
Parte da resposta pode ser encontrada lendo a edição #8 de LO; a outra parte, mais óbvia e menos longa, jaz nas declarações de “desígnio histórico” que o ditador Xi Jinping teceu aquando da celebração dos 100 anos da Revolução Xinhai (ou Revolução de 1911 ou Primeira Revolução Chinesa):
“O separatismo pela independência de Taiwan é o principal obstáculo para que a reunificação com a pátria seja alcançada, e é o perigo oculto mais perigoso enfrentado pelo rejuvenescimento nacional.”
A resposta de Taipé não tardou, com a presidente a reiterar que “não pode haver absolutamente qualquer ilusão de que o povo taiwanês irá vergar-se à pressão.” Pode ler-se, no Guardian, a seguinte parte mais alargada do discurso:
“We will continue to bolster our national defence and demonstrate our determination to defend ourselves in order to ensure that nobody can force Taiwan to take the path China has laid out for us,” she said. “This is because the path that China has laid out offers neither a free and democratic way of life for Taiwan, nor sovereignty for our 23 million people.”
Para entender as declarações, daria jeito um rápido contexto histórico, daí que listei-o da seguinte maneira:
8 pontos para entender a governação de Taiwan
A Revolução de 1911 retirou o poder à Dinastia Qing e institui a República da China.
Avançando até 1949, quando a guerra civil eclodiu, o governo Kuomintang, que a perdeu para o Partido Comunista, instalou-se em Taiwan, instaurando a República da China na ilha - em oposição ao PCC, que institui a República Popular da China.
Muito antes, a ilha fora dominada e colonizada por ingleses e holandeses, anexada pela Dinasta Qing em 1683.
Em 1895, foi cedida ao Japão mas a derrota na II Guerra Mundial, em 45, fez a soberania da ilha ser comandada pela República Chinesa, que havia emergido da Revolução de 1991.
Com a Guerra Civil de 45, e como já vimos acima, a República Chinesa exilou-se em Taiwan e ali estabeleceu-se como ditadura, conhecida como a Era da Lei Marcial, primeiro com Chiang Kai-shek e depois com Chiang Ching-kuo, que timidamente foi permitindo algum progresso.
Só depois da morte de Chiang Ching-kuo, 1988, terminou a Era da Lei Marcial. Com Lee Teng-hui, o primeiro presidente nascido na ilha. As reformas continuaram mas o partido do poder era único - o Kuomintang
Em 2000 foi eleito presidente o primeiro candidato de um outro partido: Chen Shui-bian, pelo Partido Progressista Democrático e reeleito em 2004. Entretanto, vários partidos emergiram, uns pró-Pequim, outros independentistas.
Em 2007 foi aprovada uma moção que definia que a identidade de Taiwan nada tinha que ver com a Chinesa e que o país assim deveria ser reconhecido e chamado: Taiwan em vez de República Chinesa.
Com a crescente agressividade chinesa, tanto doméstica como internacionalmente, muitos episódios de ameaças e jogos de poder foram decorrendo ao longo dos anos - sobretudo depois do ano em que terminei esta breve cronologia.
Mas o que creio que importa reter, e concluindo através da reunião e análise dos factos acima, é que lado quer o quê e se tal é legítimo ou não:
Num lado, um país recente e democrático, com todas as falhas e virtudes que as democracias (saudáveis) costumam ter, numa situação de desvantagem perante a sua localização geográfica - Taiwan
Do outro, um estado imperialista e autocrático que se quer agarrar a qualquer pretexto (histórico ou não, porque vale o que vale) para exercer uma vez mais a sua força iliberal, anexando 24 milhões de pessoas e território altamente próspero no processo - China
Especial newsletters
Na newsletter Hot Takes, também alojada no Substack, um ensaio sobre a música pop. Excerto abaixo.
The actual reality is those choices were always terrible, but many lacked aesthetic or individuality to reject them when they were in fashion. They were all products created for a mass market world: cheap, fast, ultimately disposable, and lacking in personality or substance. They were marketed heavily. You may have risked being “popular” to reject them, and most people are conditioned to go with the crowd from a young age.
E ainda:
Risk is a requisite for great art, and MBAs lacking a basic understanding of culture and humanities have soullessly removed it. Now their monopoly has ended, and like a child having their candy taken away they are lashing out.
Em The Why Axis - um excerto interessante sobre a adesão à conceitos que carecem de sentido. Excerto lapidar abaixo.
Overall the study is yet another depressing reminder of how much modern political discourse is driven by absolute nonsense. Conservatives especially are willing to give credence to completely bananapants notions as long as they bolster their worldview. It’s tempting to pin this all on Trump — the most well-documented liar and bullshitter in the history of the world.
Garbage Day é uma newsletter que se foca nas terabytes de lixo que pulula pela web, ultimamente, tem sido sobretudo casos no TikTok:
[…] a girl filmed herself surprising her boyfriend at college. In the video, he’s sort of slow to react, which, because it doesn’t align with how movies and TV portray moments like this, TikTok’s community immediately began accusing him of cheating on her and being an abuser.
Anyways, after Couch Guy made his own video, defending himself against the thousands of users racking up millions of views analyzing the video and accusing him of being a sociopath or whatever, Couch Guy was then accused of, wait for it… gaslighting.
Outras histórias
Uma grande atitude da autora de Normal People, livro que serviu de guião a uma série que achei meh (termo técnico)
Citing her support for Palestinian people and the Boycott, Divestment and Sanctions movement, the author Sally Rooney declined to sell the translation rights for her latest novel to an Israeli publisher.
Giro: Daniel Oliveira, no Expresso, a bater em Cavaco Silva por causa de um artigo publicado no Expresso, e a bater no Expresso por ter publicado o artigo de Cavaco Silva:
A exceção foi a publicação do seu artigo no semanário com mais leitura no país e de todas as vezes que abre a boca em algum lado. Tenho a ousadia de levantar outra hipótese. Os dados estão quase todos errados e a leitura de claque é redutora até para as redes sociais, quanto mais para a imprensa. Só com o carimbo de um ex-Presidente da República, tão ressentido que nem protege a sua credibilidade técnica, pode permitir a ausência quase absoluta de escrutínio à sua falta de rigor.
Sobre gerações e a tendência em agrupar pessoas que nascem no mesmo período mas que, vai-se ver e, não têm qualquer relação ao nível de crenças, valores ou comportamentos. It’s Time to Stop Talking About “Generations”:
Studies have consistently indicated that people do not become more conservative as they age. As Duffy shows, however, some people find entry into adulthood delayed by economic circumstances. This tends to differentiate their responses to survey questions about things like expectations. Eventually, he says, everyone catches up. In other words, if you are basing your characterization of a generation on what people say when they are young, you are doing astrology.
“Sometimes, I get the feeling that some years ahead — in 30, 40, 50 years, I don’t know how many — they will look at us like monsters,” he said. “They’ll see us all as monsters because we just let people die this way.”
Não é recente (fevereiro) mas só agora o descobri e li. Recomendo vivamente: The Way Out of America’s Zero-Sum Thinking on Race and Wealth
In my research and writing on disparities, I learned to focus on how white people benefited from systemic racism: Their schools have more funding, they have less contact with the police, they have greater access to health care. These hallmarks of white privilege are not freedoms that racial justice activists want to take away from white people, however — they’re basic human rights and dignities that everyone should enjoy. And the right wing is eager to fill the gap when we don’t finish the sentence.
Para fechar
No Região de Leiria de 14 de outubro:
Obrigado a quem chegou até aqui. Até para a semana!